sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

E EIS QUE NO MEIO DO CACTUS... NASCE UMA FLOR...

A mais bela obra escrita por um prisioneiro já registrada até os nossos dias são, sem sombra de dúvida, os “Cadernos do Cárcere”, de Antonio Gramsci, morto em 1937 em consequência de maus-tratos sofridos nas prisões do fascismo, na Itália, que dizem ter inspirado outras incursões do gênero na literatura mundial.
No Brasil, o relato mais brilhante é “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos, também preso político, embora não sejam raros relatos de presos “comuns”, ou seja, não egressos da militância política, mas do submundo do crime.
Exemplo disso é a análise contundente que nos traz Selligman-Silva sobre o livro de Luiz Alberto Mendes, “Memórias de Um Sobrevivente”, onde o autor narra sua trajetória desde a infância, mergulhada num caótico ambiente familiar, até o diploma de Bacharel em Direito, num percurso longo e doloroso entre os recorrentes espancamentos de um pai alcoólatra, por quem nutria, compreensivelmente, um ódio brutal, e as duras passagens pelos reformatórios (ou deformatórios) e presídios paulistas.
Sabemos que o sistema prisional no Brasil é uma espécie de “sucursal do inferno”, como coloca Selligman com muita propriedade, diga-se de passagem, e que esses subterrâneos sociais necessitam, imperiosamente, de uma reestruturação tão radical quanto possível que permita impulsionar uma efetiva reintegração daqueles que mergulharam na penumbra social, política e econômica, no momento em que conduziram suas vidas para a contramão da sociedade.
Como contraponto dessa publicação, MV Bill e Celso Athayde, no excelente documentário “Falcão”, desenham todo o contexto social em que é forjado um bandido pelo submundo do tráfico de drogas, desviando, cada vez mais precocemente, os nossos jovens para o mundo do crime, colocando-nos cara a cara com a radiografia da “fratura exposta” da sociedade brasileira, onde o usuário alimenta o tráfico, que se realimenta do usuário, num círculo vicioso que se fecha em si mesmo, sem encontrar uma saída.
O “muro da vergonha” do sistema capitalista, que separa alguns privilegiados de milhões de despossuídos, começa a ser erguido na mercantilização da educação, no sucateamento da escola pública e na falta de horizontes para as camadas menos favorecidas da sociedade, onde nascem o traficante, a prostituta, o menor infrator, o criminoso, os excluídos...
A pedagogia de Paulo Freire, que defende uma educação integral para o homem como sujeito de sua própria história, e não objeto de outros, poderia ser a “revolução silenciosa” tão sonhada por Gramsci.
A obra testemunhal de Mendes ganha, então, maior profundidade e importância enquanto denúncia. Apresenta um substancial valor literário, extrapolando os limítrofes destes para as esferas social e política, fazendo do biografado uma persona, um exemplo de tenacidade que consegue encontrar, no meio do caos, o seu ponto de equilíbrio, demonstrando que iniciativas isoladas sinalizam que há luz no fim do túnel. Infelizmente, casos como este não representam a regra, mas a exceção desta.
Luiz Alberto Mendes é, com certeza, um sobrevivente!
Sobrevivente de uma tragédia social gestada por um sistema excludente.

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