sábado, 11 de dezembro de 2010

AMOR À FLOR DA PELE
Análise Crítica

Obra prima do roteirista, diretor e produtor chinês, Wong Kar-Wai, “Amor à Flor da Pele” é uma das mais belas histórias de amor já transpostas para o mundo da Sétima Arte.
Numa Hong Kong dos anos 60, densamente populosa e sombria, Chow, um escritor e jornalista (Tony Leung, melhor ator no Festival de Cannes por este filme), e Li-Chun (Maggie Cheung), uma belíssima secretária, se encontram na impessoalidade e frieza comuns aos grandes centros urbanos, quando vão morar, com seus respectivos cônjuges, em quartos alugados em pequenos apartamentos, como era o costume da época.
Vizinhos e solitários, já que seus companheiros viajam bastante, descobriram que estavam sendo traídos por seus companheiros que estavam tendo um caso, e começaram a “esculpir” uma forte amizade que aos poucos, num crescendo, deságua em amor e paixão. Um amor pulsante, mas exageradamente contido, que está sempre presente no ar, embora jamais ultrapasse a barreira da ponderação, da ética e da racionalidade, no melhor estilo dos filmes “noir”, onde o cheiro de sexo reprimido se faz presente em todos os momentos do filme.
A narrativa seria clássica se não fosse ímpar e ricamente moderna, destacando a densa e marcante fotografia de Christopher Doyle que, explora na medida certa, os tons pastéis,
os escuros e os tons mais fortes, com o contraste das luzes e sombras da noite , tudo meticulosamente bem dosado, contrastando com a profusão de cores vibrantes, de um co-protagonista em especial, que ganha “vida própria”, por assim dizer: o figurino. Os lindíssimos e coloridos cheongsam, (vestidos chineses) usados pela atriz Maggie Cheung, e que o diretor, no auge da sua criatividade, utilizou para fazer a passagem do tempo. Um novo dia surge sempre, com um novo cheongsam, que além de interpretar o seu próprio papel, de contraponto das cores da estética da narrativa, valoriza a silueta feminina, como para compactuar com todo o clima de sensualidade presente no filme, dando uma pincelada no estado emocional da protagonista, naquele dia ou momento.
Ou seja que, parafraseando Lotte Eisner, “o vestuário não é jamais, um elemento artístico isolado” e nesse filme, particularmente, ele é um personagem à parte. Um personagem realista, desenhado de acordo com a época e a cultura oriental, carregado de subtextos e sutilezas , de onde se pode perceber, claramente, o traço firme do diretor.
A interpretação impecável dos protagonistas visivelmente, em estilo estático e método Stanislavskiano, redobra a carga dramática da obra, à potência máxima, tornando-a inesquecível e obrigatória, para estudiosos do cinema e o público em geral.
Num toque de genialidade, absolutamente intencional, o diretor, opta por colocar os antagonistas (traidores) recolhidos à sua total insignificância na obra, valendo-se de várias elipses de estrutura, em todos os planos onde eles “aparecem”, geralmente de costas, em planos fechados ou, extra-campo onde apenas suas vozes em off registram sua breve passagem pela obra , levando o público ao delírio do suspense, ampliando seu interesse pelo desenrolar da ação e, fazendo com que o espectador vivencie o fenômeno da projeção-identificação (teorizado por Edgar Morin em seu texto “A Alma do Cinema”), apenas com o casal de traídos , o que contribui sobremaneira, para o fortalecimento da estrutura da “carpintaria” da obra.
O jornalista Chow decide ir trabalhar em Cingapura, não antes de convidar Li para ir com ele, para longe dos olhares indiscretos, vivenciarem a paixão de ambos, em toda a sua plenitude.
Após uma angustiante espera no quarto 2046, ele percebe que ela não vem, apaga as luzes, e sai. O diretor deixou a tela completamente preta por mais segundos do que o necessário o que valoriza a tomada seguinte, quando ele abre a porta e a luz do dia entra no quadro. Li vai correndo ao encontro de Chow, pela última vez, no hotel. Ela veste um cheongsam verde, a cor da esperança. Talvez da esperança de conseguir vê-lo, antes da partida.
Mas ela chega atrasada e chora relembrando o convite de Chow para ir com ele...É demasiado tarde!
A trilha sonora também é um personagem. Um personagem que viaja da China para os trópicos, unindo a sobriedade oriental com a sensualidade latina da voz de um Nat King Cole, eternamente soberbo.
Chow retorna à Hong Kong cinco anos depois e vai visitar o dono do apartamento onde morou não o encontrando mais. Li morava no mesmo apartamento de antes, desta vez sozinha e...com um filho de cinco anos! O casal não se reencontra.
E Wong cria uma linha de fuga, escapando pela tangente.
Seria de Chow o filho da bela chinesa? Podemos pensar que sim, porque houve um dia em que ela disse-“Hoje eu não quero voltar pra casa.” Mas na maior e mais angustiante elipse da obra, o diretor guarda consigo a chave do segredo e se firma como o nome mais expressivo do novíssimo cinema de autor da ex China de Mao.

Lola Laborda é Bacharel em Artes/Cinema e Audiovisual/UFBA

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